Vanessa Lemgruber
Aluna da Faculdade de Direito da UFMG e membro do GEDA
Esse texto é fruto da apresentação e das discussões feitas durante o encontro do Grupo de Estudos em Direito Ambiental da UFMG, realizado no dia 13 de abril de 2013.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à qualidade de vida é um direito de todos e sua defesa é dever não somente do poder público, como também da coletividade. Quando há o desequilíbrio, os danos[i] gerados serão, muitas das vezes, irreversíveis e irreparáveis.
É nesse contexto de irreparabilidade e imprevisibilidade do dano ambiental que surge a responsabilidade ambiental em sua tríplice esfera: a administrativa, a civil e a penal. O conceito de responsabilidade deve ser entendido, basicamente, como restituição ou compensação de algo que foi retirado, por exemplo, de alguém, de povos tradicionais ou da sociedade. A responsabilidade tem por finalidade restituir, reparar ou ressarcir um dano gerado.
1 Considerações acerca da responsabilidade administrativa e civil
Antes de adentrar na responsabilidade penal, objetivo principal do texto, se faz necessário explicitar brevemente conceitos gerais das outras esferas de responsabilidade. Apesar dessas se diferenciarem da esfera penal, as três são geralmente aplicadas em conjunto.
A responsabilização civil ou administrativa não exclui a penal (art. 225, §3º, CF/88). Isso porque o ordenamento jurídico pátrio privilegia a restauração do bem jurídico lesado e não apenas a imposição de punição ao causador do dano. Parte-se da ideia de que o agente causador da degradação deve assumir os riscos de sua atividade e arcar com todos os prejuízos em matéria ambiental.
Primeiramente, tem-se a responsabilidade administrativa. Nela a responsabilidade é objetiva. Por exemplo, o poluidor é obrigado, independente de existência de culpa, a responder, pagar multa e reparar danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados pela sua atividade (REsp nº 467.212/RJ).
Ademais, o Estado também poderá ser responsabilizado solidariamente, visto que a ele cabe definir padrões de qualidade adequados a garantir a proteção do meio ambiente.
A responsabilidade civil ambiental[ii] também adota a teoria da responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral. O autor da ação deve demonstrar o dano: não se discute se a atividade é ilícita ou se o ato é ilegal.
Além de identificar o dano, é preciso verificar se existe nexo de causalidade entre a conduta praticada pelo agente (que pode ser pessoa física ou jurídica) e o resultado danoso produzido. Em consequência do princípio da precaução,[iii] há a inversão do ônus da prova como uma tentativa de abrandar o nexo de causalidade.
A civil prevê, ainda, a desconsideração da pessoa jurídica (lifting the veil doctrine), de acordo com o art. 4º da Lei nº 9.605/98, que segue os postulados da disregard doctrine. A desconsideração ocorre toda vez que a existência da pessoa jurídica servir como escudo protetor para que seus administradores não sejam responsabilizados economicamente.
Por ser uma medida de caráter extremo, o ideal é que seja aplicada quando for comprovado que a empresa está servindo de fachada para proteger bens individuais.
2 A responsabilidade penal
A responsabilização penal, objeto principal do presente texto, visa tutelar o bem jurídico do meio ambiente ecologicamente equilibrado, abrangendo os eixos natural, artificial e cultural.
Os crimes ambientais se encontram prioritariamente na Lei nº 9.605/98. Além de outros tipos no próprio Código Penal e no Florestal, na Lei de Contravenções Penais, nas leis nº 6.453/77 e nº 7.643/87. Certos crimes ambientais podem ser praticados tanto na esfera dolosa quanto na culposa.
Mas deve-se atentar ao fato de que muitos tipos penais ambientais são tipos em branco. Assim, é necessária, para sua aplicação, a interpretação em conjunto com outras leis, inclusive administrativas, e material específico de outras ciências para complementação.
Já nas questões que dizem respeito ao polo ativo dos crimes ambientais, tanto a pessoa física quanto a jurídica podem ser responsabilizadas. A inclusão de responsabilizar também pessoas jurídicas veio com a Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), em seu art. 3º.
Um posicionamento interessante encontra-se no REsp nº 564.960/SC, cuja relatoria foi do Ministro Gilson Dipp:
(…) não obstante alguns obstáculos a serem superados, a responsabilidade pena da pessoa jurídica é um preceito constitucional, posteriormente estabelecido, de forma evidente, na Lei ambiental, de modo que não pode ser ignorado. Dificuldades teóricas para sua implementação existem, mas não podem configurar obstáculos para sua aplicabilidade prática na medida em que o Direito é uma ciência dinâmica, cujas adaptações serão realizadas com o fim de dar sustentação à opção política do legislador. Desta forma, a denúncia oferecida a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual-penal.
A Lei nº 9.605/98 também expressa a desconsideração da personalidade jurídica, mas diferente da presente no art. 50 do Código Civil. Para isto, basta que a personalidade se configure como obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Não haveria a necessidade presente na lei civil de verificar o abuso da personalidade jurídica pela existência do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial
Outras inovações trazidas pela Lei dos Crimes Ambientais são a criminalização do poluidor indireto, a fixação da responsabilidade solidária, a criminalização das instituições financeiras e a valorização da participação da administração pública por meio de autorizações, permissões e licenças.
3 A responsabilidade penal da pessoa jurídica
No que diz respeito à responsabilização da pessoa jurídica tem-se dois eixos interessantes de serem destacados. O primeiro é a divergência de posicionamentos a respeito se essa responsabilização seria legítima ou não; e o segundo concerne na questão da forma com que as sanções penais podem ser aplicadas às pessoas jurídicas.
3.1 A polêmica da responsabilização penal da pessoa jurídica
Apesar dos fortes argumentos levantados em desfavor da responsabilização penal da pessoa jurídica, os argumentos favoráveis corroboram-se com os dispositivos constitucionais.
A questão da culpabilidade, da forma que está inserida no Código Penal brasileiro, de fato torna impossível a responsabilização penal dos entes coletivos, uma vez que não há imputabilidade e potencial consciência da ilicitude do fato para pessoa jurídica.
Tanto a Constituição Federal de 1988 quanto a Lei nº 9.605/98 trazem a possibilidade de se responsabilizar penalmente os entes coletivos pelas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente. É necessário que Direito Penal sofra uma adequação dos seus princípios e paradigmas para que haja uma efetiva prevenção e repressão aos crimes, uma vez que os entes coletivos são, atualmente, os principais responsáveis pelos danos contra o meio ambiente. O Direito Penal deve, sem deixar de lado sua evolução teórica, ser objeto de modificações para enfrentar de forma novos eixos de criminalidade.
Além disso, os entes coletivos são mais adequadamente capazes para tentar reparar o prejuízo ao causado ao meio ambiente e a comunidade que necessita desse equilíbrio ecológico. Por exemplo, se houver um vazamento na plataforma de petróleo, a pessoa jurídica tem meios para tentar resolver a situação da melhor forma possível que, provavelmente, uma pessoa física não disporia.
A doutrina sugere a vinculação da responsabilidade penal da pessoa jurídica à sua responsabilidade social, e não a sua culpabilidade. Deve ser levado em conta o parâmetro do juízo de reprovabilidade, ou seja, se levar em conta se os atos concretos levam a um comportamento reprovável.
Importante também seria se a Lei dos Crimes Ambientais não deixasse margem de dúvida quanto à competência para o julgamento e o procedimento a ser seguido, dentre outras lacunas que dificultam a aplicabilidade do instituto.
4 Sanções penais aplicáveis às pessoas jurídicas já previstas pela legislação brasileira
Os artigos 21 a 24 da Lei nº 9.605/98 estabelecem as penas aplicáveis às pessoas jurídicas pela prática de crime ambiental que podem ser aplicadas de forma isolada, cumulativa ou alternadamente. São elas a pena de multa, as penas restritivas de direito e a prestação de serviços à comunidade.
4.1 Pena de multa
A pena de multa não foi disciplinada pela Lei nº 9.605/98, de modo que o art. 18 do referido dispositivo expôs que a multa será calculada segundo os critérios do art. 49 Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida.
Vale ressaltar que a pena de multa prevista no art. 21 não se confunde com a pena de prestação pecuniária prevista no art. 12 e que diz respeito à responsabilidade administrativa. A prestação pecuniária é aplicável somente à pessoa física, sendo o valor pago destinado à vítima ou à entidade pública ou privada com fim social.
Na pena de multa, por outro lado, a quantia paga é destinada ao fundo penitenciário nacional, não tendo, portanto, efeito direto na reparação do dano cometido contra o meio ambiente.
Outra diferença reside na desproporção dos valores. A multa como sanção administrativa, de acordo com o art. 75 da Lei de Crimes Ambientais, é fixada entre R$50,00 e R$50.000.000,00. Já a pena de multa enquanto sanção penal a pessoa jurídica é cominada em torno de R$200,00 a R$1.000,00, podendo ainda ser triplicada caso a vantagem econômica auferida pela empresa seja elevado, segundo consta no art. 18 da Lei nº 9.605/98.
4.2 Penas restritivas de direitos
Outra espécie de sanção penal imposta à pessoa jurídica é a pena restritiva de direitos, prevista no inciso II do art. 21 e no art. 22 da Lei nº 9.605/98. São elas: a suspensão parcial ou total de atividades; a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídio, subvenções ou doações.
A suspensão parcial ou total de atividades será aplicada quando as disposições legais ou regulamentares relativas à proteção do meio ambiente não estiverem sendo cumpridas. Como a lei não indica o tempo mínimo ou o máximo da pena, o juiz poderá fixá-la de acordo com o caso.
Mesmo não podendo descartar a aplicação das penas restritivas de direitos em tempos de dificuldade econômica e de desemprego; é importante que o judiciário não desconsidere a importância social da empresa ao impor tal sanção, sem, é claro, deixar de lado a importância da aplicabilidade dos princípios da precaução e da prevenção do Direito Ambiental.
Na interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade; o começo da obra ou o reinício da atividade só serão realizados, por exemplo, com a devida autorização.
Já a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações deve ser de no máximo de cinco anos no caso de crimes dolosos e de três anos no de crimes culposos, em consonância com o art. 10 da Lei de Crimes Ambientais. E, fazendo paralelo com o §3º do art. 22, tem-se que a proibição não poderá exceder o prazo de dez anos.
4.3 A prestação de serviços à comunidade
De acordo com o art. 23, a prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos; e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
A vantagem é que, diferente da pena restritiva de direitos, a prestação de serviços não vai acarretar em perdas sociais e econômicas à sociedade devido a suspensão ou interdição das atividades da pessoa jurídica.
4.4 Liquidação forçada
Essa penalidade última aplicável à pessoa jurídica se encontra no art. 24 da Lei nº 9.605/98 e traz o fim do ente coletivo. Se a pessoa jurídica for constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na Lei dos Crimes Ambientais, terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
Não seria uma sentença imposta pelo juiz para não sacrificar o princípio da ampla defesa, mas sim uma pena acessória que deverá ser objeto de expresso pedido pela parte que profere a denúncia.
Referências
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
BERNARDES, Marcelo Di Rezende. A polêmica responsabilização penal da pessoa jurídica imposta pela Lei 9.605/98. In: WERNECK, Mário et al. (Coord.). Direito ambiental: temas atuais visto por nós advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. v. 1, p. 749-767.
Notas
[i] Dano ambiental é o prejuízo trazido às pessoas, aos animais, às plantas e aos outros recursos naturais (água, ar, solo) e às coisas, e consiste numa ofensa do direito ao ambiente e do ambiente. O dano é constituído pela certeza, pela atualidade e pela sua persistência no tempo. A reparação do dano ocorre mesmo sem culpa, nos casos previstos em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar em riscos aos direitos do outro (art. 927, CC).
[ii] Se comparada ao regime da responsabilidade civil clássica, apresenta peculiaridades principalmente no que diz respeito ao dano ambiental.
[iii] O princípio da prevenção é aplicado para impedir danos que são ou que deveriam ser sabidos. Seu fundamento se respalda na dificuldade ou impossibilidade de reparar danos causados ao meio ambiente.